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Google no mundo da telefonia móvel

A compra da Motorola Mobility pelo Google por 12,5 bilhões, me fez lembrar o clássico artigo de Theodore Levitt, Miopia em Marketing, escrito em 1960 e publicado pela Harvard Business Review. Segundo o autor, algumas empresas ou até mesmo setores inteiros em rápida expansão, entraram em decadência devido a posturas prepotentes, visões de curto prazo e falhas na definição de seu ramo de negócios. Levitt traz o exemplo das estradas de ferro nos Estados Unidos, consideradas na passagem do século XX como uma instituição, uma imagem do homem, uma tradição, um brinquedo sublime.

Apesar da euforia com o mercado cujo crescimento parecia não ter horizontes, foram estes mesmos adjetivos que fizeram com que os magnatas americanos ignorassem qualquer outro meio de transporte que não andasse sobre trilhos. Estavam muito preocupados com seu produto, para poderem pensar em eventuais necessidades de seus clientes. Creio que a célebre frase de Henry Ford, na qual proferia que o cliente poderia escolher qualquer carro desde que fosse preto, é sua mais perfeita tradução.

Situação similar ocorreu com Hollywood e a televisão. Os estúdios estavam preocupados e concentrados na realização de filmes e encararam a televisão como ameaça ao invés de enxergá-la como aliada. Los Angeles se considerava pertencente ao setor cinematográfico, perdendo desta maneira, excelentes oportunidades de se expandir no mercado de entretenimento, na esteira da recém-criada telinha. Ford, Hollywood e os magnatas das estradas de ferro talvez estivessem mais saudáveis financeiramente, caso tivessem redefinido seus negócios como transporte, entretenimento ou quem sabe, oferecido mais opções de cores a seus clientes.

Trazendo o artigo para a recente aquisição do Google, venho forçosamente à década de noventa, na qual telefone celular era artigo para poucos. Desejado e cobiçado, era disponível apenas para quem se dispusesse a comprá-lo por pequenas fortunas no mercado negro ou então esperar sentado pela carta da operadora. Em ambos os casos, a marca Motorola era o sonho de consumo, num mercado com pouquíssimas opções de escolha.

Creio que já tenha ouvido falar de uma tecnologia chamada analógica. Interface espartana, poucos recursos e baixa autonomia, alimentados pelas incorretas baterias de níquel cádmio, as quais conferiam peso e tamanho aos deselegantes aparelhos. Talvez pela liderança de mercado, os celulares da marca tornaram-se sinônimo de categoria em apelidos não muito carinhosos, tais como “tijorola”, talvez pelo formato da bateria, ou “PTsauro”, em alusão à versão PT500. Pré-históricos a parte, exceção deve ser feita ao modelo Startac, verdadeiro hit lançado para o mercado de alta renda.

Com o advento da privatização do sistema Telebrás, surgiam mais oportunidades e opções aos consumidores. A digitalização trazia como benefícios aparelhos menores e mais leves, maior autonomia de conversação e alguns recursos adicionais. Apesar da transição óbvia por parte dos clientes, a Motorola demorou a lançar modelos compactos e populares, insistindo em manter o formato e o design das gerações anteriores. A finlandesa Nokia investiu no pretinho básico com interface descomplicada e literalmente invadiu o mercado.

Quase que simultaneamente, a empresa de Chicago cria um sistema revolucionário de comunicação via satélite, denominado Iridium. Com um investimento bilionário, dezenas de satélites são então lançados ao redor da terra para que executivos e viajantes pudessem se comunicar sem fronteiras, em qualquer parte do globo. Pesavam literalmente contra o projeto, o tamanho insensato do aparelho e da antena, assim como a combinação de números a ser digitada, a qual, mais parecia uma senha de cofre. Não demorou até que o serviço de roaming internacional fosse desenvolvido e colocando por terra o míope projeto da divisão coirmã do então gigante das telecomunicações.

Apesar dos reveses, a marca ainda ocupava um lugar de respeito no ranking, fruto de um passado e de concorrentes até então com pouca reputação no segmento. Novos entrantes eram tratados com desdém e prepotência, cuja propaganda se baseava na robustez e na qualidade de produtos desenvolvidos com a metodologia Six Sigma.

Enquanto o mercado brasileiro seguia o modelo americano, investindo nas tecnologias TDMA e CDMA – em parte devido à liderança da marca americana na região – o restante do mundo adotava o padrão GSM, introduzido no Brasil pela TIM e seu garoto propaganda Ronaldo Fenômeno. Como pontos a favor, a impossibilidade de clonagem dos aparelhos – na época uma dor de cabeça aos usuários – e os menores preços, consequência da produção em massa global.

Com grande parte da classe alta e média abastecida, os fabricantes e operadoras começam a disputar as classes menos favorecidas, com modelos e pacotes de serviços atrativos. Os consumidores descobrem então as marcas coreanas LG e Samsung, as quais oferecem um bom conjunto de custo versus benefício. A Motorola, acostumada a competir em mercados baseados em diferenciação, sofre para se adaptar aos novos tempos. Com um portfólio incompleto e mal posicionado, perde mais uma vez, fatias significativas de mercado.

O golpe de misericórdia enfim, foi dado pela migração do hardware para o software. Perdem valor a robustez e a função, em aparelhos em que nada se assemelham a primeira geração. Neste cenário, a compra pelo Google foi talvez uma das melhores saídas a uma empresa que tal como as ferrovias, sofreu da miopia em marketing descrita por Levitt há mais de meio século. Prepotência, foco no produto e visão de curto prazo em pleno século XXI. Cabe agora a turma de Mountain View, tirá-la do ostracismo.

escrito por Marcos Morita

Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

Sobre o Autor: Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

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