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Erros e acertos da gestão Scolari

Líderes podem aprender muito com os traços do modelo de gerência de Felipão, revelados com o fracasso na Copa do Mundo de 2014

Ana Paula Lisboa Publicação: 21/07/2014 10:07 Atualização: 21/07/2014 11:01

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A gerente executiva Thelma (à esquerda) já foi bem mais linha-dura, mas aprendeu a dar autonomia aos funcionários

O ex-técnico da Seleção Brasileira amarga uma derrota vergonhosa para a história do futebol brasileiro. O desempenho de Luiz Felipe Scolari como líder durante a Copa do Mundo de 2014 deixou a desejar, mas é possível aprender preciosas lições sobre administração com os bons e com os maus exemplos do treinador. Entre as falhas da gerência esportiva, estão teimosia, falta de planejamento e de abertura a críticas. Nos esportes ou no ambiente corporativo, essas atitudes atrasam processos e trazem resultados indesejados. Da mesma maneira, os pontos positivos — como capacidade de unir a equipe — surtem efeito no universo empresarial.

Para Jamil Albuquerque, economista, gestor estratégico e autor do livro Vivendo e aprendendo a jogar, o estilo do técnico é encontrado com bastante facilidade no mercado. “Há muitos ‘Felipões’ por aí. São pessoas que buscam o desempenho apenas por meio do comando, mas o desejável é um líder que chefia pelo exemplo, que tem mente de mestre, que sabe ouvir, que é diplomático…”, diz. “A derrota mostra que estávamos numa euforia sem motivos. O que sustenta a grandeza é a estrutura, com planejamento e pessoas qualificadas.” “Há um ano, todos vangloriavam Luiz Felipe Scolari. Agora, que ele teve um resultado negativo, é fácil falar dele, mas ele tem seu valor como líder”, critica Marcos Morita, mestre em administração de empresas e especialista em estratégias empresariais. Mesmo assim, Morita admite falhas no perfil do treinador. “Felipão tem seu valor como líder, mas é um ‘paizão’ — modelo atrofiado para os esportes e para as empresas, pelo qual o liderado fica sempre à espera de uma instrução do ‘pai’. Foi o que vimos no jogo contra a Alemanha: os jogadores esperaram que ele tomasse atitude, enquanto poderiam ter mais autonomia”, analisa.

A liderança durante treino da Seleção em Teresópolis (Marcelo Regua/Reuters - 1/7/14)

A liderança durante treino da Seleção em Teresópolis

Marcos Melo, professor do Ibmec e sócio-gerente da empresa de gestão empresarial Valorum, avalia que faltou estudar o que seria feito. “Toda gestão precisa de planejamento, é nisso que um gestor deve se basear”, diz. O presidente do Conselho Federal de Aministração (CFA), Sebastião Luiz de Mello, acredita que a derrota já era anunciada. “Houve uma falha grotesca, a começar pelo planejamento. Não esperávamos essa catástrofe, mas dá para ver que todos os jogos foram um sufoco. Foi uma campanha apressada: Felipão só teve um ano e meio para trabalhar”, examina. Para Mello, a falha que Felipão teve no gramado é a mesma que leva cerca de 48% das empresas brasileiras iniciantes à falência: falta de gestão. Consequências Segundo Morita, caso Felipão fosse o gestor de uma empresa, ele seria encarado como alguém que trouxe muita alegria para a organização no passado, mas que, infelizmente, falhou. As consequências para o erro dependeriam do tipo da firma. “Se fosse uma empresa meritocrática, alguém como ele não receberia outra chance. Mesmo numa empresa democrática, que preza pela recuperação dos funcionários, seria complicada a continuidade dele no posto. O técnico é como o presidente da empresa, então, o fracasso ou o sucesso está diretamente ligado a ele”, compara. O especialista indica que o técnico esportivo gaúcho aprenda com tentativa. “Dizer que a carreira dele acabou é muito pesado. Tirar lições dessa experiência é o primeiro passo para superar.” A perda financeira não é o mais importante. “Muita gente diz que Felipão está com a vida ganha, mas dinheiro não é tudo. Realização e reputação são importantes para o profissional, mas é preciso entender que qualquer um erra em algum momento da carreira”, constata. Na empresa À frente do Visão Institutos Oftalmológicos Associados, a gerente executiva Thelma Letícia Gonsalves comanda 155 funcionários em cinco unidades espalhadas pelo Distrito Federal. Até pouco tempo, os processos administrativos eram confusos. “Não tínhamos departamentos. As gerências eram desunidas. Todos os processos eram centralizados em mim”, lembra-se. Foi então que o grupo chegou à conclusão de que precisava de ajuda externa. “Contratamos uma consultoria de gestão empresarial em 2012. Houve muita resistência, mas criamos um novo organograma”, afirma Thelma. “Valeu a pena, e entramos no eixo. Quem está vivendo a situação não tem o melhor olhar. Por isso, o gestor precisa estar aberto a opiniões de fora.” Pouco treino — uma das críticas à campanha de Scolari — deixou de ser problema. “A base de tudo agora é a capacitação. Temos treinamentos para recém-chegados e para reciclagem.” Thelma admite ser linha-dura, como Felipão, mas passou a delegar. “Antes, tudo tinha que passar por mim. Agora que aprendi a dar autonomia, os resultados são melhores”, avalia. “Em vez de assumir toda a culpa como o Felipão, o foco do líder tem que estar em corrigir processos a tempo. É função do chefe diagnosticar o que precisa ser mudado rapidamente e, às vezes, até trocar peças”, avalia. Para a gerente executiva, espelhar-se na seleção alemã é uma boa pedida. “A Alemanha tinha planejamento e equipe sólida. Os reservas eram tão bons quanto os titulares. Na empresa, assim como em campo, é preciso substituir pessoas e, quando todos têm um alto padrão, não há problemas”, avalia. Leia Vivendo e aprendendo a jogar Jamil Albuquerque O livro faz uma analogia dos pontos postivos do futebol aplicados ao mundo dos negócios. O autor mostra como o esporte foi fundamental na organização de países como a Inglaterra e ressalta que o Brasil pode se beneficiar caso pare de encarar o futebol apenas como lazer. O currículo do chefe A Copa do Mundo de 2014 é uma inegável mancha para a carreira de Felipão, mas, aos 65 anos, ele ainda é dono de um bom histórico profissional. Em 2013, levou a Seleção à conquista da Copa das Confederações. Foi responsável pelo pentacampeonato em 2002, na Copa do Japão e da Coreia do Sul. Levou a seleção portuguesa às quartas de final na Copa de 2006. Em clubes, conquistou a Copa Libertadores da América à frente do Grêmio e do Palmeiras. Acumula prêmios como melhor treinador da América do Sul (1999 e 2002), melhor treinador do mundo (2002) e melhor treinador da Copa das Confederações (2013). Ponto a ponto Conheça as atitudes negativas e positivas do técnico Bola murcha Falta de planejamento Segundo Marcos Melo, Scolari não demonstrou organização. “Quanto mais planejamento houver, mais preparado está o líder para lidar com situações adversas”, avalia. Para o presidente do CFA, Sebastião Luiz de Mello, não houve coordenação. “É como uma empresa que não estuda o mercado: está fadada ao fracasso. Como não tinha plano B, Felipão teve que improvisar.” No improviso, as respostas foram lentas na visão de Jamil Albuquerque. “Ele não conseguiu tomar decisões enquanto o carro estava passando, e um gestor não pode ser lento.” Embriaguez do sucesso e imunidade a críticas Para Jamil Albuquerque, Felipão tinha confiança demais. “Ele sofreu da embriaguez do sucesso, que leva a um patamar de arrogância em que não se escuta ninguém. Gestores assim ensurdecem para o feedback por causa da vaidade”, constata. “Um líder precisa ter habilidade de receber opiniões”, percebe Marcos Melo. De acordo com Sebastião Luiz de Mello, “faltou humildade para ouvir.” Aspereza e imposição O resultado de uma postura ríspida é a perda do respeito, segundo Jamil Albuquerque. “O modelo contemporâneo não é mais baseado na imposição, mas sim no exemplo. Ser áspero pode produzir resultados no começo, mas não é duradouro porque as pessoas não suportam isso por muito tempo”, avalia. Para o autor, o binômio que dá certo é “pulso firme e coração generoso.” Chefe paizão De acordo com Marcos Morita, Felipão é um líder paternalista. “Ninguém aprendeu a tomar a iniciativa, ainda mais sendo jogadores tão jovens”, avalia. “Felipão formou a família Scolari e todos se sentem protegidos. Já ouviu falar de jabuti que sobe em árvore? Pois então, ninguém ouviu, mas é alguém que está lá sem merecer porque o ‘paizão’ colocou. É o que ocorre em muitas empresas familiares e que se passou na Seleção.” Apego ao passado “Felipão acreditou muito no passado, mas um gestor precisa ter foco nas necessidades de mudança e de inovação. O que deu certo antes pode não funcionar no presente”, opina Jamil Albuquerque. “A vitória da Copa das Confederações não garantia sucesso na Copa do Mundo. A lição que fica é que você não pode se guiar pela teimosia, mas pela razão”, complementa Sebastião Mello. Equipe sem estrutura Para Sebastião Luiz de Mello, a escolha de jogadores foi equivocada. “Assim como numa empresa, faltou selecionar profissionais adequados para cada vaga”, diz. Apostar em Neymar para guiar a Seleção foi outro erro. “Um talento pode desequilibrar uma partida, mas o que sustenta o campeonato é a equipe. O comandante precisa ter banca de sucessores e saber preparar novos talentos”, ensina Jamil Albuquerque. Marcos Melo tem a mesma opinião. “Ninguém pode ser insubstituível como profissional.” Despreparo psicológico “Resultados negativos são comuns para times, seleções e empresas. Os integrantes precisam estar prontos para se recuperar quando algo ruim acontecer. Quando o gestor é bem preparado, sabe como fazer isso”, disse Marcos Melo. Sebastião Luiz de Mello também constatou essa falha. “A equipe tinha motivação até demais, só não tinha preparo psicológico”, examina. Falta de disciplina “Nenhuma das outras equipes dava um dia inteiro de folga para os jogadores. Faltou disciplina para ter mais treinamento, algo crucial para qualquer empresa”, diagnostica Marcos Morita. Pouco treino também foi um ponto criticado por Sebastião Luiz de Mello. “O time estava fragilizado. Foi como a Guerra das Malvinas: colocamos meninos para enfrentar um grande exército como a seleção da Alemanha.” Bola cheia Pressão adequada Segundo Jamil Albuquerque, a pressão e o estresse se fazem necessários para o funcionamento de qualquer equipe. “As peças de ajuste têm que ter a pressão adequada — nem de mais nem de menos — para ter bom desempenho. Um dos pontos positivos do trabalho do Felipão é saber pressionar bem e motivar o time para uma finalidade em comum ”, opina. Trabalho em equipe “A família Felipão dá certo. Ele sabe criar um conceito de apego e relacionamento”, diz Jamil Albuquerque. “Felipão tinha capacidade de integração. É uma aproximação que possibilita que, quando houver algum revez, todos possam se reformular para achar novos caminhos para o sucesso”, avalia Marcos Melo.  Para Marcos Morita, trabalho em equipe não foi problema. “Todos os jogadores estavam comprometidos. Felipão fez com que eles fossem atrás do lugar comum.” Experiência e conhecimento  “Scolari é um técnico respeitável, com bom histórico. Claro que isso conta pontos para ter um bom desempenho, mas a tática não deve se limitar a isso”, diz Jamil Albuquerque. O que faltou, porém, foi estratégia, de acordo com Marcos Morita: a cada jogo, era usado um método diferente. “No caso de uma empresa, a estratégia poderia ser preço baixo ou diferenciação, por exemplo, mas é preciso definir uma”, esclarece. Responsabilidade Uma das provas de que Felipão é compromissado é o fato de que ele assumiu seus erros, sem inventar desculpas. O senso de responsabilidade pega bem. Mesmo assim, Marcos Morita ressalta que essa atitude pode mascarar falhas. “Um líder autocrático jogaria a culpa na empresa ou a compartilharia com os funcionários. Assumir a culpa tem a ver com o estilo paternalista, mas nem sempre é o ideal porque encobre deficiências da equipe.” Erros e acertos da gestão Scolari

escrito por Marcos Morita

Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

Sobre o Autor: Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.