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Isca e anzol: as estratégias de produtos compostos

O dia das crianças se aproxima e com ele o tablet prometido à minha filha desde o natal. Consegui ainda enrolá-la em seu aniversário trocando o notebook de casa, porém agora será inevitável. Já consultei preços e modelos, optando por uma versão com poucos recursos, o que de maneira alguma significa simples. Mesmo com as críticas dos psicólogos e pedagogos, suas agilidades mentais e motoras me impressionam, assim como seus argumentos precisos e aguçados que acabaram me convencendo, reforçando a todo o momento que estou em frente a um autêntico exemplar da geração Z.

 

Fiz este preâmbulo não apenas como gancho para o próximo dia 12, assim como para agradecer a cafeteira Nespresso que ganhei de minha filha no dia dos Pais – utilizando meu próprio cartão e limite. Tenho um perfil conservador no que se refere a consumo, razão pela qual costumo analisar muito minhas compras, em especial as de impulso. Comprador do tipo chato, pergunto muito, deixando para fechar o negócio no dia seguinte. Na maioria das vezes acabo postergando a compra, até que a vontade passe.

 

Apesar de não tê-la pedido e ao contrário, mencionado que se tratava de um produto supérfluo, confesso que há tempos namorava-a toda vez que ia ao shopping, o que creio, não tenha passado despercebido a uma criança de nove anos. Agradeci de maneira encabulada e comecei a provar os diversos cafés, sem não antes perguntar o preço de cada cápsula, fazendo às contas de quanto custaria a brincadeira. Passada a fase da desconfiança, veio à aceitação, e com ela a admiração pela maneira com que gerenciam seu composto de marketing.

 

Como todo item premium, possuem garantia vitalícia, independentemente do modelo. Suas lojas são decoradas com extremo bom gosto, utilizando as diferentes tonalidades das cápsulas, cujas cores e nomes identificam a intensidade. Vendedores extremamente solícitos e bem treinados, assim como baristas que promovem a degustação e inundam o ambiente com deliciosos aromas, completam a atmosfera do ponto de venda. Séries especiais e limitadas, em geral com preços mais altos, são as promoções da marca.

 

Não obstante sua estratégia, atuando em um mercado de nicho, a marca adotou um reposicionamento, oferecendo equipamentos com preços e condições de pagamento mais acessíveis, reforçando o conceito de isca e anzol, chave do modelo criado pela Nestlé. Para explicá-lo basta pensar em Gillete ou na impressora que repousa em seu escritório ou home Office – produtos muitas vezes vendidos abaixo do custo ou praticamente de graça, em troca de lucros subsequentes em compras futuras. Os mais velhos talvez se lembram do retroprojetor e das lâminas de transparências, utilizadas em apresentações.

 

Fabricantes costumam sofrer com produtos genéricos, os quais apesar da menor qualidade, contam com preços bastante atraentes, não raro custando metade do original. No caso da Nespresso, mesmo que haja produtos substitutos, o que já vi em alguns locais, a proposta de valor oferecida aos seus fiéis consumidores desencorajaria ou deixaria constrangido quem oferece um tipo Nespresso a uma visita. Outra sacada esta na recorrência das receitas. Considerando uma cápsula por dia, seriam quase 400 ao ano, cuja lucratividade pagaria a cafeteira vendida abaixo do custo, o que não é o caso.

 

Finalmente, gostaria de salientar que escrevi este artigo não como jabá, jargão que denomina propaganda oportunista em momento inadequado, porém pela inovação em seu modelo de negócios, apoiado por um inteligente composto de marketing. Pode parecer pouco, mas em épocas de proibição de vendas de planos de saúde, banda larga e linhas celulares pelas agências reguladoras, frutos do mais puro desrespeito aos padrões mínimos de atendimento, qualquer mimo adicional pode conquistar até os mais chatos consumidores, estejam eles na geração Z, Y ou X.

escrito por Marcos Morita

Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

Sobre o Autor: Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

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