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As estratégias por trás do adeus à Kombi

A Volkswagen e a AlmapBBDO prepararam uma campanha para dar adeus à velha Kombi, cujo modelo lançado na década de 50, não se adequou às exigências do Contran que obrigam os veículos a saírem equipados com freios ABS e air bags. Chamada de deslançamento terá como slogan: “Em breve, em nenhuma concessionária perto de você” e contará como personagem principal a série comemorativa Last Edition, com pintura especial, pneus com faixas brancas e cortinas nos vidros laterais. Puro charme retrô para um veículo que já foi ambulância, perua escolar, lotação, pasteleiro, tintureiro e dogueira, tal qual a impagável Marcia do Espírito Santo, interpretada por Elizabeth Savalla, na novela Amor à Vida.

Não obstante o caráter divertido da peça de comunicação, de que maneira a marca explicará aos consumidores o paradoxo criado em suas mentes, colocando de um lado produtos com alto valor agregado, tecnologia e inovação em propagandas que enfatizam comodidades como um sistema que auxilia o motorista a estacionar o veículo e de outro a sexagenária Kombi, cuja mecânica simples e acabamento espartano pouco mudou em todos estes longos anos de vida? Para tentar esclarecer tal incoerência trago duas teorias do marketing e da estratégia: a matriz de análise de portfólio, também conhecida como BCG e o ciclo de vida de produto ou CVP, as quais suportarão minha argumentação.

 

A BCG, desenvolvida pela firma de consultoria homônima Boston Consulting Group, é utilizada para avaliar o grau de competitividade do portfólio de uma empresa. Criada a partir de dois eixos, crescimento e participação de mercado, classifica os produtos em quatro quadrantes representados pelos símbolos: ponto de interrogação, estrela, vaca leiteira e abacaxi. Já o CVP posiciona-os também em quatro fases: introdução, crescimento, maturidade e declínio. Vejamos como ambas se relacionam, utilizando os carros da montadora alemã como exemplo.

 

Ponto de interrogação: lançamentos se enquadram nesta categoria, caracterizada pela baixa participação e crescimento de mercado. Posicionados no CVP na fase de introdução, exigem investimentos relevantes em um cenário de baixas vendas, gerando fluxos de caixa negativos.  Mesmo drenando os recursos da corporação são muito importantes do ponto de vista estratégico, indicando a competitividade no longo prazo. Inovações são essenciais para a manutenção da vantagem competitiva. CC e o caro Touareg aqui se encaixariam.

 

Estrela: produtos que ultrapassaram a barreira inicial, atingindo a etapa de crescimento. As vendas ascendentes costumam amortizar os investimentos ainda altos em divulgação, zerando a conta final. O nome se justifica pelo aumento da participação em mercados com alto crescimento, dirigindo o foco da corporação. Como um funil, vale salientar que diversos pontos de interrogação acabam morrendo pelo caminho. Os importados Jetta e Tiguan e o utilitário Amarok são estrelas para poucos e endinheirados consumidores.

 

Vaca Leiteira: produtos maduros com grande participação em mercados com baixo crescimento. Conhecidos e líderes em seus segmentos, exigem menores investimentos em inovação, tecnologia e publicidade. Aliados a vendas constantes e consistentes, trazem retornos interessantes à empresa, auxiliando a cobrir os gastos com novos produtos. Qualquer semelhança com a Kombi é mera coincidência. Para comprovar a teoria, há quanto tempo não vê propagandas do utilitário no horário nobre ou mesmo em páginas de revistas semanais?

 

Abacaxi: vendas decrescentes em mercados com baixo crescimento. As empresas do setor automobilístico são mestres em evitar que produtos maduros desçam a ladeira, relançando novas versões de antigos sucessos. O Gol é um caso clássico desta estratégia. Em sua 5ª geração, o modelo lançado em 1980 insiste em se manter vivo por ainda muito tempo. Talvez os mais de dez mil emplacamentos mensais justifiquem tamanho esforço. Seguem na mesma trilha o Voyage, Fox e Space Fox, os quais compõem o grosso das vendas da montadora.

 

Em suma, continuar com a produção do utilitário no Brasil, único no mundo a manter uma linha de produção do modelo, se traduzia em uma cômoda, fácil e barata entrada de recursos para a filial alemã, cujo portfólio analisado não traz novidades de peso nos quadrantes pontos de interrogação e estrela, parecendo preferir requentar velhos modelos consolidados, trazendo certa incerteza quanto à competitividade no médio e longo prazo. Sorte dos alemães que vivemos em um país alimentado pelo crescimento da classe C e das médias cidades do interior.

 

Voltando ao paradoxo entre o velho e o novo, a montadora tentará se utilizar dos valores, da cultura e da personalidade da marca, construída em todos esses anos de estrada. Símbolo da cultura hippie nos Estados Unidos foi utilizado como uma mistura de automóvel e albergue por uma geração que teve o seu auge em 1969, no Festival de Woodstock. Em épocas de redes sociais criou como suporte a campanha um emotivo blog, no qual usuários comuns podem postar fotos e contar interessantes histórias vividas a bordo de suas Kombis.

 

Embora tenha muitas casos emocionantes para contar em mais de meio século de vida, acredito que a restrição das vendas será positiva a segurança dos consumidores, em épocas que cinto de segurança era mero enfeite. A brecha deixada pela Kombi certamente será ocupada por modelos mais modernos e seguros, seja de outras marcas ou da própria Volkswagen. A data final já está marcada, assim como a ordenha das últimas 1.200 derradeiras unidades para fãs dispostos a pagar mais de R$ 85.000 reais. Haja paixão e dinheiro sobrando.

escrito por Marcos Morita

Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

Sobre o Autor: Marcos Morita

Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.

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